Stalker

Stalker é um filme realizado por Andrei Tarkovsky e lançado em 1979. É sem dúvida um dos meus filme favoritos e uma inspiração. Não sou, nem tenho pretensão de ser, um entendido em cinema e o que possa escrever será sempre do ponto de vista de um leigo e de um admirador. O meu objectivo, além do egoísmo de falar do que gosto, é levar alguém a ver este filme.

Este filme não é fácil nem tem um andamento rápido, digo-o de antemão. Navega nos seus diálogos e imagem num profundo conflicto psico-filosófico. Tem elementos de ficção científica, de certa forma uma distopia, e de drama que deixa qualquer espectador atento desconfortável. É essencialmente um filme poético.

O filme está dividido em duas partes e visualmente marca, através da cor, as cenas passadas na zona, coloridas, das passadas no “real”, a sépia.

Ao longo das suas mais de duas horas, o filme leva-nos a um lugar, a zona, onde o inexplicável acontece, pois as regras da realidade (o que será isso?) não se verificam, pelo menos da forma como é esperado. A zona é um lugar proibido, resultado de um desastre, e interdita pelas forças governamentais.

Na zona existe um lugar mística, o “quarto” (room), que quando alcançado pode tornar qualquer desejo realidade.

A personagem principal, o Stalker, trabalha na zona, guiando através dela aqueles que a desejam visitar.

O filme começa com aproximadamente 10 minutos sem qualquer diálogo, numa viagem até ao Stalker e à sua vida, marcada por uma pulsão por regressar à zona, mesmo contra a vontade da sua mulher.

O início do filme é definitivo, o Stalker tem de escolher entre voltar a deambular nos seus desejos ou satisfazer as necessidades naturais, organizadas da vida familiar.

Conhece, num bar as duas outras personagens do filme e seus clientes, o escritor e o professor. Ao longo do filme as personagens são apenas tratadas pelas suas profissões, mantendo-se anónimas. Este anonimato ajuda a separar a personagem das suas ideias, discussões, conflitos, e carrega ainda mais de significado toda a acção.

Após romperem o bloqueio à entrada na zona, os três chegam, num pequeno carro de linha – aqui o filme abandona o seu tom sépia, e as imagens urbanas opressivas e lamacentas, para adoptar a cor e ficar recheado de verde, em cenários onde a natureza tomou conta daquilo que foram restos da civilização.

A partir deste momento, na zona, o Stalker explica as regras de sobrevivência ao professor e ao escritor – façam tudo o que vos disser para fazer, todos os perigos da zona não podem ser vistos, e que o caminho que vão seguir não existe, muda constantemente, e pode apenas ser sentido. A zona, não é apenas um lugar, tem uma espécie de “alma”.

O escritor é um homem amargurado, de certa forma zangado com a vida, e que anseia visitar o quarto com o objectivo de não perder a inspiração. Ao longo do filme o escritor é a personagem mais céptica, pondo em causa os conselhos do stalker. O professor, pelo contrário, é mais receptivo mas difuso nas suas intenções. Por momentos confidencia que gostava de estudar a zona e ganhar o prémio Nobel. Ao longo do filme, o professor, procura sempre manter uma mochila, cujo conteúdo é desconhecido do espectador e dos personagens, sempre perto dele.

Ao longo dos primeiros momentos da viagem, os três vão conversando sobre a zona, as suas intenções e discutindo alguns assuntos que podemos enquadrar na discussão filosófica geral do “sentido da vida”. Esta viagem é acompanhada por um cão negro que os vai seguindo.

Ao longo desta viagem o stalker conta histórias sobre a zona, lançando ainda mais a desconfiança. Nestas conversas e reflexões a incerteza sobre a zona vai crescendo, sendo um dos pontos centrais se o quarto realiza intenções e desejos concretos ou os desejos escondidos no subconsciente dos personagens.

O próprio conhecimento da zona pelo Stalker, começa a ser posto em causa, nomeadamente pelo escritor, a viagem, de certa forma sem sentido, ajuda-o nas suas incertezas, e começa insistentemente a questionar o mesmo sobre como adquiriu tal conhecimento. O Stalker fala de um antigo stalker, Porcupine, que lhe ensinou tudo o que sabe. A história deste stalker, então falecido, acaba por ser uma alegoria à ganância humana e à utilização de conhecimento privilegiado e dos desejos de outrem em proveito próprio.

Quando finalmente chegam ao quarto são revelada as verdadeiras intenções, que não revelarei para não estragar o filme a quem quer ver. Fica apenas que a visita ao quarto é reveladora para todas as personagens. E que a relação entre o que queremos ser, o que intimamente desejamos, e o que mostramos aos outros, se relaciona entre sentimentos de conquista, culpa e clarividência.

A chuva lava o final desta cena e os três regressam ao bar onde tudo começou, continuando seguidos pelo cão negro. Este regresso marca o reencontro do Stalker com a sua mulher, que estranha o cão que Stalker admite ter tido pena de abandonar. Nesta fase o Stalker é confrontado com a vontade da mulher visitar a zona, aí ele vacila, fica com dúvidas sobre a zona e a capacidade que tem de realizar os sonhos, em particular desiludir a mulher que poderia ver os seus sonhos não concretizados.

O filme caminha para o final onde a mulher, olhando a câmera entre numa reflexão sobre a sua vida, sobre os desafios da mesma para ela, ele e os seus filhos.

O filme termina com uma demonstração do inexplicável no real, quando a filha do casal é capaz de mover um copo sem lhe tocar, esta cena é seguida pelo quotidiano, um regresso à normalidade, ao início, com um comboio a passar…

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